sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O professor e seus limites...


A necessidade de escrever vai além de um hábito. Quando não se tem amigos por perto, escrever é terapia. É encontrar na tinta da caneta a consciência e a racionalidade.
Depois de um mês e a primeira grande decepção vivendo no exterior, decidi criar um cantinho a fim de compartilhar os extremos: momentos felizes e momentos de angústia ou solidão. Para iniciar, copio o texto que publiquei ontem na minha página do facebook e que teve bastante repercussão. 

"Não é um texto interessante, nem engraçado. É apenas um desabafo.

Hoje, dia 19, faz exatamente um mês que saí do Brasil e dei início a tão sonhada experiência de viver um intercâmbio na Espanha. Escolhi o país não só pelo meu interesse pela língua, mas também pela diversidade cultural e pelas belezas do velho mundo. Porém, nem tudo é tão belo quanto nos pintam. Hoje, no encerramento deste primeiro ciclo, tive o desprazer de viver uma dessas atitudes preconceituosas que tanto me diziam que os espanhóis cultivavam e que, até certo ponto, eu desconfiava de que realmente existiam: assim que cheguei na universidade, tive que escolher as disciplinas que me interessavam e elaborar um cronograma para apresentar ao coordenador do meu curso. Tive duas semanas para assistir as aulas e escolher aquelas que me interessavam de acordo com o conteúdo e a minha capacidade de compreensão do idioma. Escolhi então duas disciplinas de literatura espanhola mais o curso de idiomas que, através da prova de nível, fui classificada como B2. Certo.
Durante as aulas, notei e comentei com as meninas que moram comigo, que um professor me tratava com diferença, exigindo que eu fizesse atividades que para os outros eram voluntárias, sempre pedindo para eu fazer comentários dos textos nas aulas, se dirigindo a mim com tom ofensivo e sem me dar a oportunidade de respondê-lo. Elas me disseram que é normal na universidade, nos depararmos com professores que não gostam dos "erasmus" (os intercambiários). De fato, eu o vi falando com algumas chinesas no primeiro dia de aula e elas nunca mais apareceram... mas eu não imaginei que isso poderia também acontecer comigo porque até então, ele não tinha conversado reservadamente comigo, eram apenas algumas alfinetadas públicas, sem direito de resposta e que eu suportava porque apesar de tudo, o conteúdo da disciplina era realmente interessante e eu entendia muito bem tudo o que ele falava.
Mas ontem recebi um e-mail, depois de três semanas de aula, solicitando o meu comparecimento para uma reunião urgente. Enfim, pontualmente estava no departamento para receber algumas atividades corrigidas e também a notícia de que, segundo ele, apesar de conseguir compreender as aulas, de conseguir analisar o texto e cumprir o proposto, não tenho capacidade de ser aprovada em tal disciplina por apresentar erros lexicais e gramaticais (curiosamente, ontem, uma francesa me disse que no semestre passado, o mesmo descontava muitos pontos das suas atividades pelos mesmos erros). E então, ele me deu duas alternativas: pedir alteração na matrícula e escolher outra disciplina ou assistir suas aulas e fazer todas as atividades consciente de que vou reprovar.
Saí da sala com uma revolta indescritível. Não pela sinceridade do professor, não pelo reconhecimento da minha dificuldade com o idioma, mas pela imposição dos limites que nós, brasileiros, nunca colocamos aos estrangeiros. Estudo na Unesp há oito anos e nunca vi nenhum professor - ou aluno - desconsiderando os esforços de qualquer estrangeiro. Muito pelo contrário... sempre ajudamos, apoiamos, tiramos dúvidas e tentamos fazer com que se sintam acolhidos e envolvidos nas atividades que realizamos (às vezes até demais). E, para ser beeeeem honesta, lamento que muitos professores brasileiros valorizem tanto as teorias metodológicas dos professores europeus quando na prática, eles são mais ultrapassados do que qualquer professor considerado "antiquado" no Brasil. Entram e saem da sala sem olhar para os alunos, sem saber seus nomes, sem provocar discussões ou tirar dúvidas, como se nós, alunos, fossemos meras estátuas. Não há didática, não há contato, não há conversa, não há absolutamente relação entre professor e aluno. Existe professor e existe aluno. Só.
Diante de tudo isso, apenas concluo que, no Brasil, tenho os melhores professores do mundo, que se interessam em saber se estamos aprendendo, que interagem, que promovem o desenvolvimento do pensamento sem humilhar e que, não raras as vezes, se envolvem com problemas pessoais e se interessam em ajudar. Estes sim são grandes, são professores.
Enfim, a educação brasileira tem inúmeras deficiências, incontáveis problemas, mas os professores de lá, do novo mundo, são essencialmente admiráveis."